MONCADA
MARTIAL ARTS
4 de Setembro de 2009
Traduzido do inglês por António de Sousa Mendes
«Nestes últimos anos tenho lido atentamente muitos artigos na internet sobre a validade do treino em Systema, por pessoas que só viram peritos nessa arte no Youtube ou em vídeo. Em geral, é feita uma comparação com a mais espectacular das artes de combate, as “Artes Marciais Mistas” (Mixed Martial Arts - MMA). As mesmas perguntas são feitas vezes sem conta: “Porque é que treinam tão lentamente? Porque é que isto parece demasiado fácil? Porque é que este tipo caiu e parece não poder levantar-se?”
E li com igual interesse as diferentes maneiras como esta arte é defendida por praticantes de Systema. Não que não sejam perguntas válidas, são-no definitivamente, só que raramente ouço essas mesmas perguntas serem feitas pelas pessoas durante os seminários, as aulas, ou em sessões de sparring, independentemente da sua origem marcial ou da velocidade com que trabalham.
Para que percebam o meu raciocínio, comecei a treinar artes marciais desde muito novo e estudei em muitos ambientes full contact, desde sistemas de boxe aos sistemas de luta no chão e desde o uso de diversos tipos de armas até às artes ditas de “combate de rua”. Durante estes últimos trinta anos, gostei de fazer sparring, lutar e treinar com qualquer pessoa que encontrasse desde principiantes a lutadores de full contact de nível mundial. Fui porteiro em discotecas durante dez anos e atualmente o meu trabalho consiste em partilhar o meu conhecimento da luta close combat com profissionais de serviços de segurança de elite de todo o mundo, tais como lutadores de MMA, praticantes de Systema, praticantes de artes marciais tradicionais e civis.
Então porquê, depois de ter estudado todos estes sistemas de combate com um certo sucesso, escolheria o Systema?
Para mim a resposta é simples: foi porque o experimentei. Sou apenas um entre muitos que levou consigo todos os truques que tinha para testar Vladimir Vasiliev e, que Deus me perdoe, Mikhail Ryabko, quando os fui encontrar pela primeira vez. E ainda estou à espera de ver alguém que não tenha saído dessa experiência no mesmo estado que eu, ou seja, confuso e com dores mas com a profunda convicção de que algo de fundamental mudou.
Em poucas palavras, há muito mais coisas que se passam no Systema do que o que é visível a olho nu. E se assim não fosse, e se se pudesse simplesmente compreender o que se passa vendo-o no Youtube, então não seria muito bom Systema.
As MMA têm um grande dramatismo, são rápidas e altamente visuais. O melhor método para dois pugilistas combaterem desde o tempo dos gladiadores da Roma Antiga. Pode-se ver o que está a acontecer e os resultados falam por si. Os seus atletas são dos mais bem preparados fisicamente e dos mais versáteis.
Adoro ver, adoro treinar e tenho sempre muito prazer em trabalhar com as pessoas dessa área. E na minha opinião, qualquer pessoa que treine MMA, mesmo que seja de um nível mediano, homem ou mulher, deve sempre ser levado muito a sério.
Portanto, ouço-vos perguntar: “Bem, se o Systema é tão bom, porque razão não está no UFC?” Penso que seja uma pergunta excelente.
Mas pergunto: “Bem, se o UFC é assim tão bom, porque é que não lançam uma faca na gaiola?”
Mesmo se é completamente irreal, compreendem o que quero dizer? A dinâmica da luta transformar-se-ia imediatamente se a faca fosse efectivamente lançada para dentro da gaiola. Veríamos dois lutadores altamente treinados a terem de se adaptar imediatamente a um novo conjunto de regras ou a morrerem quase instantaneamente.
Penso que todos concordariam que levar com jabs de um lutador experiente, possivelmente o ataque menos letal em MMA, é desagradável, mas em comparação com um ferimento causado por uma faca, é bastante mais agradável.
Quando comecei a treinar com Vladimir uma vez, a meio de uma sessão de sparring, parou e disse-me no seu jeito inimitável: “Martin, conheço homens que porias em pedaços no ring”. Claro, estupidamente radiante de orgulho pensei que ele me estava a elogiar, mas ao virar-se de costas para ir ter com outro aluno, ele acrescentou num tom indiferente… “ Mas eles matavam-te logo”.
Mas depois segue-se o embaraço. Qualquer estratégia conhecida, filosofia e movimentos mais eficazes num ambiente desportivo do MMA podem ser igualmente úteis na rua ou num campo de batalha. Mas somente úteis. Enquanto tudo no Systema é propositadamente concebido para estes dois ambientes. Pode não ser tão visual como o MMA mas foi provado eficaz nessas arenas tal como o MMA também o foi na gaiola. A estrutura do Systema é intencionalmente concebida para parecer destruturada, e a rapidez da acção apesar de parecer lenta para o olho nu, contem um timing perfeitamente adaptado ao movimento, que nos engana devido ao facto que o praticante de Systema se mantem sempre calmo.
Fui, recentemente, convidado a apresentar o conceito de Systema a uma Unidade de Operações Especiais no estrangeiro. Enquanto estava lá, mostraram-me um vídeo de vários instrutores que tinham sido convidados para treinar os seus operacionais e para mostrar o que tinham para oferecer. Entre eles estava um treinador de topo de MMA de Pride. Perguntei-lhes o que acharam do seu treino. “Excelente”, disse o Coronel, “mas para nós, praticamente inútil”.
Isto não é de todo depreciativo em relação ao tal treinador do Pride, que era obviamente excelente. Mas o facto permanece, o que é bom para uma arena não é necessariamente bom para outra. O Systema não é principalmente concebido para um ambiente desportivo ou uma mentalidade desportiva tal como o MMA não é concebido para um campo de batalha ou para a mentalidade que o acompanha.
Podemos treinar durante vinte anos Jiu-jitsu, por exemplo, e ser um grappler excepcional. Mas se se introduzir apenas mais um lutador no combate já não se fará Jiu-jitsu. Esta disciplina não foi simplesmente concebida para lutar de forma eficaz contra dois adversários ao mesmo tempo, mesmo no chão. Ela foi principalmente estruturada para lutar contra um adversário de cada vez.
Não estou a dizer que o lutador de Jiu-jitsu não sairia dali vencedor, só estou meramente a sugerir que se tivesse que lutar contra dois ou mais adversários ao mesmo tempo e possivelmente armados, todos os dias, então o seu treino poderia rapidamente começar a parecer-se, pelo menos do exterior, com o Systema. E depois equipado com este saber, a maneira como luta contra um só adversário também irá mudar dramaticamente. Ao fim de uma dezena de anos, o seu treino parecerá tão estranho para qualquer praticante de Jiu-jitsu que o observa do exterior, tal como o Systema se encontra agora ao fim de séculos de aperfeiçoamento.
Enquanto arte marcial e na forma como existe agora, o Systema é concebido sobretudo para a aplicação na vida real. Destina-se para situações imprevisíveis (como múltiplos adversários, várias armas, terrenos irregulares, má iluminação, espaço confinado, etc.), para militares, agentes da autoridade ou serviços de segurança, para alguém que tem de lutar estando ferido ou lesionado, ou que tem de proteger uma mulher ou uma criança, para alguém com mais idade ou em fraca condição física. No Systema, o treino e a luta são concebidos para evitar ferimentos e até curar as antigas lesões. E isso requer um treino, uma atitude e um estilo muito diferentes de uma arte de combate desportiva.
Contudo como Vladimir notou uma vez com a sua calma casual e profunda: “Acontece que o Systema é uma arte marcial”. E para compreender um pouco esse tesouro, não podemos simplesmente observa-lo do exterior.»
Para mais informações sobre Martin Wheeler, visite o site:
Vídeo de Martin Wheeler em:
https://www.youtube.com/watch?v=qx8MctACMJsHH