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SYSTEMA: LIBERTAR A LIBERDADE

por José Amaro Dionísio

«Já sabemos que a vida nos surpreende todos os dias mas esta deixou-me de facto estupefacto: encontrei o Systema aos 69 anos e com mais de 50 anos, na verdade 52/53, de prática de artes marciais.

 

E tive dificuldade em perceber o que estava a acontecer. Ou melhor: tive que acreditar a partir da primeira hora de treino porque pela primeira vez na minha vida senti aquilo que nunca antes tinha sentido como praticante de artes marciais: um imenso sentimento de libertação do corpo, uma plena sensação de liberdade física, emocional e intelectual.

Aquilo era outra coisa. Que coisa? 

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O que quero aqui é apenas prestar o testemunho pessoal de alguém que desde os 18 anos praticou com interesse e regularidade diferentes artes na área - judo, karaté, qigong, taijiquan, shaolin nas suas várias vertentes - e que de repente  ao pisar um dojo quase aos 70 anos tem pela primeira vez a sensação de ultrapassar uma maior ou menor noção de vazio que essa prática foi acumulando. É espantoso, mas é verdade. E é tanto mais verdade quanto neste último ano e meio tenha encontrado outras pessoas que dizem a mesma coisa, todas vindas de práticas anteriores.

Donde é que vem essa sensação? Donde é que vem esse sentimento de libertação? Para mim a resposta é simples: vem do facto de o systema romper com os métodos de treino habituais na generalidade das artes marciais, baseado em padrões, formas e técnicas rígidas, sobrepostas, separadas entre si e que afinal acabam por aprisionar o corpo do praticante dentro de si próprio.

 

E a diferença está nisto: no systema não há katas, não há formas, não técnicas codificadas. Há  apenas o corpo em movimento. Como na vida, como nos gestos de todos os dias. E desde o primeiro treino começamos a interiorizar a sensação de que qualquer movimento no systema convoca a libertação do corpo todo e a libertação de todo o corpo é o movimento. Claro que atrás disto há um constante trabalho de laboratório. Todas as bases das artes marciais estão lá: o domínio muscular - descontrair contrair, contrair descontrair -, respiração, estrutura do corpo, movimento. Raiz, centro, verticalidade. Positivo negativo, negativo positivo, substancial insubstancial e vice-versa, forças opostas, linha recta, curva, círculo, espiral, explosão condensada num ponto. Se há frente há rectaguarda, se há direita há esquerda, se há em cima há em baixo. Três dimensões no movimento: comprimento, largura, profundidade. Princípios básicos: timing, distância, reacção. Continuidade, espontaneidade, clareza, precisão.

Qualquer arte marcial tem isto, não é novidade nenhuma. A questão está em que regra geral os métodos de treino e a concepção da prática é de tal maneira fragmentada que quando se chega a um nível em que a visão de conjunto se torna perceptível já o corpo e a mente são vítimas, quando não prisioneiros, dessa fragmentação. E depois é muito difícil sair daí. Estou convencido de que a sensação de falta que o praticante vai acumulando de ano para ano resulta disso.

 

Ora é com isso, precisamente, que o systema rompe. E essa ruptura entra-nos pela pele dentro desde o primeiro momento. Não é seguramente por acaso que pessoas que passaram décadas e décadas a treinar outras artes se rendem à diferença no systema. E a este respeito cito apenas um livro que diz tudo sobre o assunto, De l’Aikido au Systema - à la rencontre de l´art martial russe, de Chris Peytier. É fácil encomendá-lo on line.

 

É claro que em tudo isto as professores têm um papel fundamental. Há com certeza professores que apesar de formados na mais estrita tradição das artes que praticam conseguem dar a volta e reencontrar outros caminhos. E aqui também vale a pena citar um livro, La Recherche du Ki dans le combat, do japonês Kenji Tokitsu.

 

Muitas vezes os alunos vão atrás do nome do professor, ou da escola, e esta cultura do diz que diz agravou-se até ao limite com a transformação das artes marciais em desportos de combate, hoje espalhados por todo o mundo. Pelo caminho perdeu-se uma noção intransponível: uma arte marcial não é um desporto de combate. Os objectivos são diferentes, os treinos são diferentes, as realidades são diferentes. E para ser bom professor não basta ter fama ou medalhas ou mesmo saber muito da sua arte. Para ser bom professor é preciso 1. saber, 2. saber ensinar, 3. querer ensinar, 4. gostar de ensinar e acima de tudo 5. ter gosto em ver os alunos evoluírem.

É pelo nível dos alunos que se vê a qualidade dos professores. Porque uma daquelas cinco condições não chega, são precisas as cinco porque as cinco estão ligadas entre si. Como no Systema, precisamente: o corpo todo num gesto, o gesto de todo o corpo.

É isso que estou a aprender no Systema que se faz em Lisboa com o Stefan de Moncada. E estou-lhe profundamente grato.»

 

Lisboa, 2 Novembro de 2017

 

José Amaro Dionísio

Não tenho a pretensão de responder a essa pergunta, e nem é preciso: há centenas de livros e dvd’s sobre o assunto, artigos, material on line. Está lá a doutrina toda, a teoria, a história, o percurso desta milenar arte marcial russa. E está lá assinada por aqueles que são os seus principais responsáveis pela divulgação da arte no ocidente nas últimas décadas.

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