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O meu encontro com o Jogo do Pau
por Stefan de Moncada

« O meu primeiro encontro com o Jogo do Pau foi muitos anos depois de ter começado a prática das artes marciais.

De facto, já treinava há algum tempo quando ouvi falar no Jogo do Pau através do meu antigo mestre de Aikido, Christophe Peytier: «Sabes Stefan, vocês também têm uma arte marcial – chama-se Jogo do Pau e é combate com paus. O mestre disso dá aulas aqui perto no Ginásio Clube Português. É o Nuno Russo.»

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Como a maior parte dos jovens principiantes e convicto de que o que treinava era a melhor coisa do mundo, não quis saber muito mais sobre isso. Acreditava que, se o meu mestre de Aikido, que me ensinava técnica do Jo e sabre japonês, não ia treinar Jogo do Pau, devia ser porque a nossa técnica era, se não melhor, pelo menos perfeitamente suficiente. Além disso, tinha sido manipulado a crer indiretamente, através da indústria do cinema, que somente as artes marciais orientais eram boas e eficazes e que tudo o resto eram apenas curiosidades do passado europeu.

Os anos foram passando e confrontado com outras artes marciais, como o Jiu-Jitsu Brasileiro e o Systema por exemplo, a minha compreensão das mesmas foi mudando. Fui ficando com menos certezas numas coisas, mais confiante noutras e mais ponderado nas minhas crenças. Quando pesquisava sobre o Jogo do Pau, apareciam-me fotografias com uns senhores “barrigudos e com camisas aos quadrados” a manejar um pau qualquer no meio do campo. Aquilo era demasiado distante da estética solene do dojo japonês para me impressionar. Mas aí residia um dos pontos fortes do Jogo do Pau português e eu ignorava-o completamente!

Fomos seduzidos pela estética dos movimentos orientais e pelas suas coreografias ao ponto de confundirmos muitas vezes eficácia com elegância. Ora, um combate não tem nada de belo, nem tenho de ser elegante para ser eficaz.

Um dia, convidaram-me para dar um seminário de Systema num daqueles encontros de artes marciais em que vários mestres de diferentes estilos se reúnem para partilhar conhecimentos. O mestre Nuno Russo do Jogo do Pau português estava lá. Durante a pausa para almoço aproveitei para conversar com o mestre e tirar algumas dúvidas sobre o Jogo do Pau. Completamente ignorante de quem tinha à minha frente perguntei coisas do gênero: «Mas isso do Jogo do Pau é mesmo eficaz? Serve mesmo para o combate?»

Mal sabia eu no que me estava a meter… O mestre Nuno Russo no seu jeito inimitável sorriu para mim e, conhecendo-o como o conheço hoje, presumo que tenha pensado algo do gênero: «mais um chico-esperto das artes marciais a quem terei todo o prazer em dar uma lição.» Mas como as nossas conversas sempre foram respeitosas e cordiais, o mestre Nuno Russo também foi muito simpático. Mas não se deixem enganar, a simpatia do mestre Nuno podia rapidamente transformar-se noutra coisa. Isso faz-me pensar numa frase do Al Capone: «Não confundas a minha simpatia com fraqueza. Sou simpático com toda a gente, mas quando alguém é mau comigo, fraco não é aquilo que vais pensar de mim.»

Enfim, senti logo uma conexão com ele. Achei o Nuno Russo muito simples e acessível o que não era o caso com outros mestres com quem tinham aprendido até então, sobretudo nas artes marciais japonesas. O Nuno Russo era complemente aberto e falava sem “papas na lígua”. Quando lhe disse que tinha treinado muitos anos o Jo e bokken do Aikido e o sabre no Iaido, ele riu-se para mim a dizer com a sua eloquência habitual – «essas chinezisses não prestam para nada!»

A maneira como ele rebaixava como total segurança todo o meu treino das armas deixou-me intrigado e precisava saber o que é que ele “escondia”. Decidi então ficar com o seu contacto e agendar um primeiro seminário de Bastão de Combate e Defesa Pessoal. E assim foi… Lembro-me de pensar que as defesas dele eram tão simples ao ponto de parecerem “insuficientes” e isso deixava-me pasmado. Estava habituado aos movimentos um pouco mais complexos dos japonesas e eis que agora estava ali um português a esperar até ao último instante para fazer a defesa de um modo tão leve que nem conseguia compreender o que se passava. E quando o vi a manusear o varapau fiquei então completamente fora de mim. Ver aquele homem com aquela técnica, simplicidade e sobretudo, honestidade impactou-me!

Ao sair daquele seminário, tinha consciência que o meu percurso nas artes marciais tinha sido impactado por alguém fora do comum! Tinha de aprender com o mestre Nuno Russo e não ia ser tarefa fácil porque já dava aulas de artes marcais a tempo inteiro e, além de ter uma família com 3 filhos, treinava muito todos os dias.

Mas além de sentir isso tudo, fui atravessado ao mesmo tempo por uma força e sentimento de responsabilidade enquanto praticante português de artes marciais para manter esta arte tradicional lusitana, herdeira dos campos de batalha, viva e continuar a transmiti-la. 

 

Fui completamente transparente e direto com o mestre e disse-lhe que tinha de aprender com ele. Isto não foi semelhante a nenhuma febre como quando uma pessoa conhece algo novo e é atravessada por uma paixão que se vai desvanecendo ao longo do tempo. Eu já não era nenhum principiante e sabia muito bem o que estava a fazer e qual o compromisso que estava a assumir, mas sabia também que era agora ou nunca! Pedi-lhe o favor de me aceitar como aluno e de aprender com ele.

 

Muita coisa aconteceu entretanto e hoje em dia estou com ele sempre que posso, treinando ou ajudando nas tarefas da Escola. São momentos sagrados aqueles em que podemos estar junto da pessoa que nos ensina. São momentos especiais como quando dois amigos que têm muita história juntos se reúnem. E são também momentos íntimos como quando um pai ajuda um filho a ultrapassar uma dificuldade. A relação entre mestre e discípulo nas artes marciais, quando é genuína, torna-se antes de mais numa relação espiritual – de espírito a espírito e é nisso que reside a essência da transmissão de um conhecimento.

Ter tido a coragem de experimentar uma arte nova, ao fim de tantos anos, foi das melhores coisas que fiz porque mudei a minha compreensão e ganhei em amizade e conhecimento. Como já dizia o grande Bruce Lee, “a utilidade da taça é estar vazia!

Às vezes, não é preciso atravessar meio mundo para encontrar o que procuramos. E eu, que não sou nacionalista, (sou de uma família internacional), fez-me tomar consciência da riqueza do nosso património e sentir gratidão pela nossa herança cultural portuguesa que incarnamos.

 

O Jogo do Pau Português estará sempre, para mim, embebido da pessoa do Nuno Russo porque é através dele que bebo dessa fonte e estou-lhe eternamente grato por tudo!  »

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